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terça-feira, 21 de outubro de 2008

meus cabelos estão crescendo. sinto os cachos além dos olhos. faço o meu filho dormir contando histórias irreais. vejo o que se passa na televisão já acostumada com todo os fatos. é por isso que fui fugindo do jornalismo. sinto tédio pós- processo civil. recursos sem poesia. quero Drummond. domingo saí com o antônio, levei-o pra fazer bolinhas de sabão na praça. depois fomos comer bata frita e tomar suco de laranja. foi um dos meus melhores domingos do ano. não li o jornal. me fez bem, mas fui assitir ensaio sobre a cegueira, o que me fez mal. pontadas no estômago. quero e não quero Saramago. sábado corri descalça, no asfalto molhado, umas três quadras. corri atrás de um amor machucado. ele foi mais rápido por causa do tênis. não consegui alcançá-lo. tenho saudade. mas não me dói mais. junto meu dinherinho pra matar a saudade que não me mata mais. mas o juntar o dinherinho pode me matar aos poucos. mas a gente vai morrendo um pouco a cada dia, né??. cheiro a mão. espero.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Barba, cabelo e bigode?

Saindo do Salão Internacional pela rua 13 de maio, à frente se encontra a morada de Roque de Marco, construção que permanece ali desde 1887, ao lado o antigo Hotel Grigolete, cenário de uma Campinas antiga, perdida no transtorno da região central. A nostalgia chega de encontro à entrevista com o velho Luiz Teixeira, que mantém o seu salão desde 1968 na antiga Estação ferroviária, hoje, sede da Secretaria de Cultura da Prefeitura, mais conhecido como Estação Cultura. Dimensões do passado, toda arquitetura, de casarões dos barões de café, enraizados e abandonados; logo adiante o futuro, luzes, multidão de gente, barulho, conversas, vendedores gritando o seu peixe, “Churrasquinho grego a R$ 1,10”, mendigos na rua, barraquinhas, panfletos, carros, trânsito... policiais a cavalo no meio daquele caos, 1968, ano das possíveis revoluções, ano em que “seo”Luís, que não é só barbeiro, estava mudando o local do seu salão, sem saber que ia permanecer a vida toda ali.
“Eu comecei a aprender essa profissão porque sempre fui um homem que tem muito de mulherada. Então nos meus 15 anos eu era um garotão mimado pelo meu pai, descia para cidade, ia para a 13 de Maio paquerar. Eu não gostava de trabalhar, de fazer muito exercício pesado, um dia falei assim: ‘Vou aprender a cortar cabelo’. Fui a escola na Barão de Jaguara, no Senac lá, era 1955/1956. Aí eu cheguei fui lá na escola e me matriculei. A aula era das duas às quatro, seis meses de curso, prático e teórico, porque eu sou um profissional que tem diploma. Aprendia a mexer com cabelo de mulher e de homem. Fiz o curso tirei o diploma, e como na época na escola estavam precisando de professores, comecei a dar aula, só pra dizer que não fazia nada. Quando chegou uma certa idade, depois dos 20 anos, pensei: ‘O que vou fazer da minha vida?’, como quem diz eu só sei cortar cabelo e fazer barba, aí fui e montei meu salão. Isso em 1962, ali em frente a agência de ônibus (apontando, como se ainda existisse), e tinha aquela mulherada”.
Sete anos depois o “seo” Luiz se instalou na Estação, “aqui era um Restaurante da Fepasa, não tinha salão, fui o primeiro e o único até agora. E essa porta aqui não tinha (apontando a porta que dá de cara com a 13 de maio), a entrada era por ali, essa porta era um vitrô, eu modifiquei a Estação”. No ambiente do salão ainda se respira o tempo em que o destino dos trens era ali; a cadeira de barbeiro é das antigas, percebe-se o quanto já foi gasta, quantas histórias já foram contadas naquele divã, duas pias azul-bebê, uma perto da entrada, e outra ao lado da máquina redonda que esteriliza a navalha, o removedor de cutícula, e esquenta as toalhas. Na parede um mural com fotos antigas de estrelas com ou sem barba, um quadro que o “seo” Luiz gosta de mostrar, um recorte de jornal com uma entrevista dele falando da região central. Logo acima um calendário com uma mulher bem dotada fisicamente, ou se preferir, gostosa, dando para perceber o quanto o barbeiro gosta da mulherada.
O personagem foi contando a sua trajetória, que não tinha essa separação de salão de mulher e salão de homem como existe hoje, como diz ele, “era tudo unissex”. Chamá-lo apenas de barbeiro não seria apropriado, todo serviço do salão ele faz sozinho, corta cabelo, barbeia, limpeza de pele, permanente , tintura :“é só pagar!”.
“Na época, no começo do salão, contratei uma equipe para trabalhar, manicure, dois cabeleireiros, e eu fui trabalhando e crescendo, aí eu casei, sou casado até hoje, tenho dois filhos formados, graças à profissão”. E as veredas da vida foram passando, os filhos se casando, o menino se tornou empresário, a menina especialista em doença mental, e o “seo” Luiz resistindo, o centro se expandindo, a Estação desativada, como cantava Chico “Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda peão, o tempo rodou num instante (...)”. Ele tentava explicar: “Eu acho que essas mudanças precisam acontecer, broto. Tudo na vida muda, a Estação é o seguinte, aqui não podia continuar, o negócio cresce. A mudança é normal na vida de todos nós”.
A cidade que na sua infância era rodeada de fazendas, sítios, com o bonde passando, indo para Sousas, as carroças, os carroceiros que faziam entrega, aquela Campinas apenas vista nas fotos P/B, na descrição de “seo” Luiz “tudo mato”. O trem, meio de transporte luxuoso que trazia tantos clientes para o barbeiro, “pessoas entrando, pessoas indo passear pelo centro, então o dinheiro rodava. Vem um que viajava, vem outro que vem daqui, dali, tem dinheiro, faz uma barba, corta uma unha...isso daí é importante, quem tem um tanto, gasta”. E a cidade se alongando, desenvolvendo, mais gente, Universidades, e em 1987 desativam a Estação, só sobram “seo” Luiz e o rapaz do bar para cuidar daquele patrimônio, recordando o acontecimento entristeceu a face, “isso daqui ficou um cemitério”.
Oferecendo um cafezinho, a entrevista é interrompida por um vereador que pede para o gentil barbeiro se pode deixar o seu celular carregando ali. “Seo” Luiz se recorda do tempo em que o Quércia, político influente de Campinas, se barbeava no seu salão, o ex-prefeito assassinado Toninho e até Magalhães Teixeira. “Aqui têm vários políticos que vêm aqui, eu sou amigo do Quércia, já fez barba aqui muitas vezes. O Toninho era meu amigo, o outro Prefeito, o Magalhães Teixeira. Política é tudo aquele rolo, que nem agora tá o Lula, promete aquelas coisas, mas não faz nada, não dá pra fazer porque é uma cúpula. É uma máquina muito grande, muita gente tem influência. Então para ele fazer tem que conseguir comprar 70% da turma”. Sábio barbeiro, sem ao menos ter saído na mídia o polêmico “mensalão”, “seo” Luiz já pressentia os andares da política brasileira, o que ele deve estar percebendo agora é que a compra de políticos só serve mesmo para a estagnação do país.
Arriscando a prosa para o outro lado, surge a questão do homem contemporâneo, este que cuida do físico, faz as unhas, pinta o cabelo. “Seo” Luiz acha que antigamente estes homens que se cuidavam também eram tachados de veado, hoje o preconceito acabou, ou nas palavras do barbeiro “acabou esse confete”. Chega-se então na questão feminina, “seo” Luiz concorda que as mulheres estão mais responsáveis, que também cuidam do corpo, e que devem faze-lo, agora mulher trabalhando... para ele, não. “Quando casei minha esposa trabalhava, falei pra ela um mês antes do casamento que ela teria que parar de trabalhar, a única função dela seria cuidar de mim e da casa. Disse para ela: Você vai ter o que quiser.” E o feminismo, “seo” Luiz?????. Ele reconhece sim que os tempos mudaram, até sua filha hoje trabalha, mas ele acha uma estupidez, “Aí a mulher não tem tempo, chega cansada e inventa uma desculpa para o marido, o marido quer sair e ela...é o tal negócio é por isso que casamento não dura mais. É natural, mulher que trabalha não tem tempo para se dedicar ao marido. Ela tem que se dedicar exclusivamente à família, ao lar”. Simone de Beauvoir deve estar se revirando no caixão depois desta declaração, o barbeiro confessa, o casamento é um dos temas mais abordados no salão e para o “seo” Luiz a culpa é quase sempre da mulher, e ainda tem mais: “A mulher não pode namorar um cara com um nível inferior do que o dela, pra começar o nível social, e depois o salário. A mulher tem que ganhar mais ou menos igual ao homem, se o cara namorar uma mulher que ganha mais que ele, tá ferrado”.
Ás vezes o barbeiro se transforma num personagem rodriguiano, “a mulher com chinelo de dedo para mim chegou no fim do poço”. Continuando o bate-papo, voltando aos inflamados anos 60, o entrevistado responde que o regime militar era melhor do que hoje.
“A turma respeitava não fazia essa baderna que acontece hoje, cercar rua, estrada, fazer greve, não deixar a pessoa trabalhar, eu sou contra esse negócio. Sou a favor dos militares, eu gostava porque existia respeito, hoje você passa por aí o cara chega pra um soldado aí e jogam uma bomba, matam o policial, e antes não acontecia isso. Quando os policiais pegavam esses ladrões naquela época, sumiam com eles”. E os estudantes, “seo” Luiz??, a democracia tão sonhada???.... “O estudante não sabia o que queria, sempre tinha um cabeça no meio que punha na cabeça deles para eles fazerem aquelas coisas. Isso aqui não é democracia, é bandidagem!”
Figura intrigante, “seo” Luiz com seu 1,80m de altura, nariz alongado, sorriso alargado, pele branca, calvo, rigidez e ternura. As variações da região central da cidade fazem parte da memória do barbeiro, tudo em volta traduz a sua vivência. Ele ainda sonha com as pessoas desembarcando dos trens, com a beleza da estação, o apito, os fregueses, o romantismo daquilo tudo... que já se foi.

“Na hora da arte do cabelo, o pessoal do ‘internacional’ é mais importante para mim que o Presidente da República” Dr. Hélio Lobo/1969, declaração tirada do livro de memórias do “seu” Luiz , recordações dos fregueses escondidas no livrinho azul.