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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Culpadas?

Culpadas?

Ato I

As quatro acusadas de terem auxiliado a ex-médica Neide Mota a praticar aborto em 26 mulheres foram a júri na manhã desta quinta-feira. São elas: Libertina de Jesus Centurion, Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza (enfermeiras) e Simone Aparecida Cantagessi (psicóloga).
O caso foi denunciado pela TV Morena em 2007 e trouxe à tona o debate sobre a descriminalização do aborto. A clínica de Planejamento Familiar atuava há 20 anos em Campo Grande/MS, com conhecimento de todos, pois no decorrer desses anos nunca a ex-médica Neide Mota teve que mudar de local para praticar tal delito.
Foram apreendidas 10.000 fichas médicas, e em 1,2 mil fichas se constatou indícios de autoria e materialidade, e apenas 26 dessas pacientes que procuraram à clínica foram denunciadas, porém como eram primárias tiveram que prestar serviços à comunidade, devido a suspensão condicional da pena. As fichas médicas das pacientes foram a única prova material que o Ministério Público encontrou para promover a “persecutio criminis”.
Nas fichas constatava-se que realmente existiu a curetagem, todavia em momento algum se pronunciou o nome das quatro acusadas, e segundo o Exame de Corpo Delito Indireto feito nessa fichas nada se comprovou sobre a realização dos abortos.
E mais, o advogado de defesa da psicóloga Simone Aparecida Cantagessi, René Siufi, disse ainda no plenário do Tribunal do Júri que tal exame de corpo de delito não foi juntado ao processo no ano de sua conclusão, em 2007, sendo juntado apenas nesse ano, fato que será levado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“As fichas recolhidas na clínica não demonstram se as mulheres foram fazer um aborto ou apenas uma consulta. Onde está a prova material? Não existe prova material. Elas estão sendo acusadas por dedução. O que existe é uma confissão da doutora Neide, mas elas só recebiam as pacientes, preenchiam fichas e auxiliavam quando eram chamadas; não sabiam o que era combinado entre a médica e as pacientes”, afirma Siufi.

Ato II

O Júri esta tarde estava lotado, não como no dia do julgamento do padrasto do menino Dudu, mas por ser continuação de um fato que deu bastante ibope a TV Morena, filial da TV Globo,a emissora estava lá filmando as quatro acusadas que colocou no banco dos réus. Duas choravam, pensando com certeza por que estavam ali, as outras duas do lado esquerdo, uma senhora de idade, e outra com seus 20 e poucos anos quase 30, com cabeça baixa em alguns momentos encaravam o Conselho de Sentença.
Depois que o advogado apresentou suas alegações, o Promotor de Justiça não quis prolongar o debate, recusando a réplica. E começa as votações, segundo o Juiz Aluísio Pereira dos Santos, serão 512 quesitos que os jurados terão que responder, o Dr. René Siufi durante sua exposição relatou que um dos quesitos propostos pela defesa será que os jurados respondam se houve materialidade ou não, se a resposta for negativa o número de quesitos diminui, saindo o resultado deste julgamento ainda hoje.



Ato III

Se elas serão consideradas culpadas ou não, eis a responsabilidade dos seus julgadores, que acabam representando o que a sociedade pensa. A discussão não gira em torno da questão da descriminalização do aborto, o Júri não foi reunido para essas indagações, só que o pano de fundo é mesmo a questão do aborto. E como o Código Penal o tipifica?

“Art. 124 - Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.”

As 26 denunciadas que procuraram à clínica, responderam por esse crime que está tipificado no art. 124, já as que estavam no Júri hoje estão respondendo pelo o que está previsto no art.126 c/c art. 288 do Código Penal:
“Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena- Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos;
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um )a 3 (três) anos.
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”
Há uma desproporcionalidade comparando o que aconteceu com essas 26 mulheres que por consciência própria resolveram provocar o aborto, com o que está sendo enquadrado para essas 04 acusadas.

Se foram apreendidas 10.000 fichas e apenas em 1,2 mil encontrou-se indícios de que o crime foi cometido, e dessas, somente 26 foram denunciadas, e posteriormente obtiveram o privilégio da suspensão condicional da pena, porque Libertina de Jesus Centurion, Rosângela de Almeida, Maria Nelma de Souza e Simone Aparecida Cantagessi não podem ser absolvidas? E permanece a dúvida, por que das 1,2 mil fichas que foi verificado os indícios de autoria e materialidade somente 26 mulheres foram denunciadas?

Ainda durante o julgamento, o Promotor de Justiça, Dr. Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, pediu a absolvição das acusadas em 11 casos de aborto, da lista dos 26, pois entendeu que em cinco casos, houve falta de prova material da realização do crime, nos outros seis, a Promotoria não conseguiu comprovar a participação das quatro mulheres.

Resta esperar, a votação foi suspensa e deve ser retomado amanhã à partir das 08 horas, que se faça Justiça e quando há tantas dúvidas a serem sanadas, prevalece o Princípio “in dubio pro reo”, assim descrito:

“No conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste último se quiser assistir ao triunfo da liberdade.” (BETIOL apud TOURINHO FILHO, 2003, p. 71).

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