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terça-feira, 30 de julho de 2013

La vie en rose




A ideia de poder ter alguma coisa muito grave no colo do útero me assusta. Talvez porque eu seja mãe, e depois da maternidade fiquei medrosa. Antes não temia nada. Era aquele pensamento da juventude, tenho a vida inteira pela frente...
O sentimento de ter algo a perder  me estremece.
Repensar o que se foi e o que está por vir, acho que a maioria das pessoas enterram a cabeça no buraco pra não sentir, colocam o sorriso amarelo e vão vivendo conforme a música.
Apesar de toda a minha sinceridade, do meu jeito desbocado de ser, já usei como estampa esse sorriso amarelo. E cansei, talvez nas minhas bebedeiras eu demonstre o meu desassossego.
Esses 20 dias esperando os resultados dos exames, biopsia, ultrassom, captura híbrida, o caralho a quatro, vão me fazer mudar?
Vou comer mais salada, frutas, cortar o açucar, meditar?
Vou tentar encaixar os pedacinhos desse quebra-cabeça montando o meu coração?
Vou ser aquela mãe que cozinha, acorda cedo, não grita, que não fala palavrões, igual a do comercial de margarina?
Vou querer encher o cú de dinheiro, comprar vestidos novos, sapatos caros, fazer a unha no salão chique da cidade, cagar e andar pras notícias que me rodeiam?
Ou quem sabe pra não ser tão artificial realize algus sonhos!
Lembro-me que em 1999 fui pra Bonito, conheci uma galera bicho-grilo, aprendi fazer pulserinha e não caí na estrada por comodismo, talvez então arrume a mochila e vá viver um pouco esse lado Kerouac tão guardado em mim.
Volto e escrevo um livro.
Ou então vou pra Cuba,  tomar mojitos, conhecer os lugares que o meu herói se enveredou, conhecer de perto a minha ideologia.
Ou vou para o Rio, me torno uma "Black bloc", saio por aí quebrando bancos, tacando pedras em policiais, viver em passeatas e sonhos, como no maio francês, a imaginação no poder, transcendo o meu 1968.
Volto pra Chapada dos Veadeiros, moro numa comunidade alternativa, mexo com a terra e viro vegetariana, me acho no meio da multidão.
Danço o meu último blues na frente do palco, com os cabelos soltos na cara, olhos fechados, como nos velhos tempos....
Leio Ulisses, Proust, vejo Fellini, Buñuel, Bergman, Godard e Pasolini.
Ou vou morar com os índios, receber uma cura espiritual, lavar a alma, me integrar com a natureza, conhecer novas línguas, novos rostos, novas percepções.
Ou fico com o meu filho todos os dias da minha vida, ouvindo o "Eu te amo" mais doce do mundo.
Já sei ! Invado o presídio de trânsito e liberto o Dudu, depois levo um tiro igual a Heloísa, e morro sendo uma revolucionária!
Escrevo essa ficção apenas pra me alegrar, dar risada, sou assim, não perco a piada nem dentro do avião (onde tenho o maior medo de todos).
Poderia ter sido diferente, mas não foi.

Um comentário:

Anny disse...

Lindo, Pri! Perdemos tantos pedacinhos de nós mesmos por aí, pelo menos me sinto assim...e tento desafiar-me a mim mesma todos os dias, tentando reinventar uma nova Anny. Vou virar leitora assídua! :)