Eu sempre
gostei de choro. Desde criança quando minha irmã dançou ao som de
“brasileirinho” na apresentação de ballet em Fátima do Sul. Já tinha ouvido
falar que ia acontecer o lançamento do cd de um compositor que não era daqui
que teve o seu álbum censurado durante o regime militar ( até pensei será que
ele era subversivo?).
Fui ao Aracy
sozinha. Cheguei cedo, havia uma fila, e o que primeiro chamou minha atenção
foi que as pessoas da fila eram justamente o oposto do que esperava, achava que
ia ter um bando de intelectuais ou algo do tipo, e ao invés disso tinha gente
de roupa simples e jeito humilde, ou melhor, era o povo mesmo prestigiando algo
que um dia também fora tão popular.
Sentei na segunda
fileira e vi o Sarrafo dando uma entrevista pra tv: falava alegremente,
emocionado de estar ali, de ser a estrela da noite.
Sarrafo tem
93 anos, e é de uma lucidez impressionante. No palco havia fotos ampliadas,
imagens antigas de um Sarrafo guri, da época que o rádio era o principal
veículo de comunicação, e que a nata da música popular brasileira se apresentava
em grandes shows com orquestras nos cassinos.
Começa o
show: o Choro opus trio que se dispôs a recuperar todas as composições que se
perderam no álbum censurado entra, com mais dois músicos convidados, um
clarinetista e um outro na percussão tocando pandeiro. Meninos tocando choro foi o que vi, meninos
igual na foto do Sarrafo ali no palco.
Meninos que provavelmente nasceram bem no finalzinho do século XX, e que
hoje se encantam com a música do começo do século XX. Meninos com uma
desenvoltura genial.
E a cada
música apresentada Sarrafo se erguia, aplaudia e dizia: Boa! Boa!
Martinelli o
fitava com olhos cheios d´ água, o chorinho de Sarrafo tem suas nuances, eu me
vi chorando em vários momentos. Algumas composições eram de uma alegria, que
até os meus pés se mexiam, outras eram disparadas diretamente no meu coração,
para mim, era quase um fragmento da música argentina, eu ouvia tango misturado
com o choro.
Porém, o que me abalou e até me fez escrever
sobre aquele momento foi justamente o fato de que Sarrafo aos 93 anos conseguiu
realizar o seu sonho: ver suas composições registradas num álbum, coisa que ele
esperou mais de 40 anos para acontecer.
Fez-me
lembrar tanto do Cris, meu amigo compositor que mora na Holanda, me fez pensar
o quanto é difícil a vida de um artista em território brasileiro.
Fiquei
chateada por essa indústria cultural massificadora existir, principalmente aqui
no Oeste onde as pessoas acham natural gostar de sertanejo, gastam dinheiro
para comprar cd do “tcherere/ tchu tcha”,
ir ao show na boate da moda, e te encaram como se você fosse um ser de outro
mundo, só porque tem discernimento e sabe o que realmente deve ser apreciado.
Ao mesmo
tempo percebi que essas pessoas não são aquelas mesmas pessoas humildes que
estavam no show, a maioria das pessoas de classe média alta de Campo Grande
(sei lá a lógica disso) é que acha que gostar de sertanejo é ter status.
Pois bem, status
é ter bom gosto, é ouvir Pixinguinha, Cartola, Paulinho da Viola, Guerra Peixe,
Ernesto Nazareth , Noel Rosa, Candeia, Chico
e Sarrafo.
Me admira
que essas pessoas que tem acesso livre ( porque tem condições financeiras) a
cultura, que podem consumir o que realmente tem valor artístico, consomem
merda!
É, vocês que
vão na Valley e pagam R$ 50,00 para escutar uma música de merda, que se fantasiam como se tivessem saído da mesma fábrica (fábrica de barbies e
de cowboys), vocês que enchem a cara de whisky e saí matando gente a torto e a
direito com suas caminhonetes potentes, não passam de um bando de gente manipulada, que não sabe distinguir porra
nenhuma !
Pois eu
estou fora dessa sociedade.
Prefiro me
juntar aos que gostam de música e vida de verdade!
Prefiro ser
o que sou do que me submeter a essa massa de gente hipócrita!
Cris, tenho certeza meu amigo, que gente como
você, que luta e sonha, um dia vai ter o seu valor.
É como
Sarrafo disse: O nosso povo precisa de educação, porque povo sem educação é
apenas um monte de gente amontoada !
4 comentários:
Olá, sou o clarinetista convidado para a gravação e lançamento. Suas palavras me comovem muito! Pessoas como você estão em um patamar acima da sociedade supracitada! Obrigado pela atenção. Continue nesse mundo cultural! Abraço e até mais!
Coelho eu que fiquei super feliz de ter ido ao show, e dessa mensagem ter chegado até vc!! Sucesso sempre! E obrigada pelos elogios!
Eu- Pollyana
Pri, suas palavras nunca foram tão claras. E, peço licença, para fazer delas, as minhas.
Mas olha, se em 2012 o mundo realmente não acabar, tenho fé que algo profundo vai mudar.
beijo e parabens pelo texto, Thais P
Postar um comentário