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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Estado e os seus meios “legais” de repressão – uma discussão acerca do PL nº 728/11, bem como da Lei nº 12.850/13 e da antiga Lei de Segurança Nacional nº 7.170/83


O Projeto de Lei nº 728/2011, de autoria dos Senadores Marcelo Crivella, Ana Amélia e Walter Pinheiro, que está prestes a ser votado, tipifica vários crimes específicos que possam ocorrer durante a Copa do Mundo no Brasil, tais crimes são temporários, conforme se verifica no art. 2º, II e III :

Art. 2º Para efeito desta Lei, a expressão:

II – "no período que antecede a realização dos eventos” compreende o período de 3 (três) meses que antecede o início das competições;

III – “durante a realização dos eventos” compreende o período em que serão realizadas as competições previstas no artigo 1º, conforme calendário estabelecido pela organização dos eventos;

                                Interpretando tal dispositivo, verifica-se que a tramitação do PL está sendo apressada no Congresso, uma vez que “3 meses que antecede o início das competições” será no mês de março, assim, o PL já passou pela análise da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (decidiu arquivá-lo), Comissão de Assuntos Sociais (também manifestou favoravelmente pelo arquivamento), Comissão de Educação, Esporte e Cultura (aprovou com emendas), falta passar pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (ainda não juntou o parecer), e finalmente pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que dará a decisão final.

Desse modo, após passar pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e for aprovado pela Casa iniciadora (Senado) vai direto para Casa revisora, no caso a Câmara dos Deputados.

Posteriormente pode acontecer dois caminhos: se for emendado, volta pra Casa iniciadora (Senado), que vai apreciar as emendas, rejeitando-as ou não, todavia, se for automaticamente aprovado em todo o seu teor, é encaminhado ao Presidente da República, este irá escolher se rejeita ou sanciona a Lei.

Se rejeitar, volta para as duas Casas, dependendo da decisão, poderá derrubar o veto, aí a lei deve ser promulgada pelo Presidente da República, se ele não promulgar num prazo de 48 horas, o próprio Presidente do Senado tem competência para promulgar e mandar publicar a lei, ou se o Congresso Nacional aceitar a rejeição, poderá arquivar o PL (vide arts. 65 a 67 da Constituição Federal de 1988).

Explicado o trâmite de como nasce uma lei (não é a única hipótese, existe lei de iniciativa popular), esse é o caminho que o PL deverá percorrer até março, vamos analisar o teor do PL supramencionado.

O motivo da polêmica, primeiramente se consubstancia devido o art. 4º, que tipifica o crime de terrorismo, in verbis :

                                 Art. 4º Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo:

Pena – reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.

§1º Se resulta morte:

Pena – reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos.

§ 2º As penas previstas no caput e no § 1º deste artigo aumentam-se de um terço, se o crime for praticado:

I – contra integrante de delegação, árbitro, voluntário ou autoridade pública ou esportiva, nacional ou estrangeira;

II – com emprego de explosivo, fogo, arma química, biológica ou radioativa;

III – em estádio de futebol no dia da realização de partidas da Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo de Futebol;

IV – em meio de transporte coletivo;

V – com a participação de três ou mais pessoas.

§ 3º Se o crime for praticado contra coisa:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Aplica-se ao crime previsto no § 3º deste artigo as causas de aumento da pena de que tratam os incisos II a V do § 2º.

§ 5º O crime de terrorismo previsto no caput e nos §§ 1º e 3º deste artigo é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

                              Várias indagações podem ser feitas em relação a esse dispositivo, conforme artigo de Felipe Garcia “Senadores propõem que protestos durante a Copa sejam considerados terrorismo e punidos com até 30 anos” :

                                “O fechamento de uma via pode ser considerado privação da    liberdade de pessoa, considerando-se que a mesma terá, em certa medida, sua liberdade de ir e vir cerceada por uma manifestação que bloqueie uma via de acesso?

Como motivação ideológica ou política, pode-se enquadrar a aversão a possíveis gastos excessivos e a à corrupção e ao superfaturamento ocorrido nas obras voltadas aos citados eventos esportivos? Por que a motivação ideológica, justificativa apresentada para tais atos, deveria constituir um agravante, isto é, algo que enquadre a conduta no tipo penal?

O que seria considerado 'infundir terror ou pânico generalizado'? Seria possível enquadrar manifestações de enorme vulto, que somem centenas de milhares de pessoas contrárias a determinado evento, atrapalhando a sua realização ou, indiretamente, coibindo a presença de pessoas no mesmo?

Caso, em manifestações pacíficas, alguns sujeitos, inclusive infiltrados por opositores aos protestos, iniciem depredações, haverá uma preocupação em distinguir participantes pacíficos? Em que medida esta lei poderá causar medo entre ativistas, considerando-se que, caso estejam em uma manifestação legítima e pacífica, poderão ser 'envolvidos' em crimes que poderão atingir pena de até 30 anos? ”.

Portanto, o tipo penal é muito aberto e pode ser enquadrado em várias situações, outrossim, tal norma fere direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, tais como a liberdade de expressão, liberdade de reunião e liberdade de consciência, todos assegurados no art. 5º.

De fato, o Estado se utiliza do seu poder de legislar para criminalizar os movimentos sociais, aliás, foi nesse viés que a Presidenta Dilma sancionou e promulgou a Lei nº 12.850/2013, conhecida como “Lei de Segurança Nacional”.

Essa nova lei tipifica a organização criminosa como sendo “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional” ( art. 1º § 1º).

Durante as manifestações de outubro no Rio de Janeiro, vários ativistas foram presos, a polícia civil segue investigando membros de movimentos como Black Blocs e Anonymous, para enfim, tentar enquadrar esses integrantes na Lei de Segurança Nacional, que podem pegar pena máxima de 8 anos de reclusão. 

Outras críticas podem ser feitas a nova lei, vejamos o que diz o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH), Centro de Assessoria jurídica popular Mariana Criola e Justiça Global:

A lei é flagrantemente inconstitucional. Sua redação ignora direitos já conquistados na Constituição de 1988 e autoriza o Estado a interceptar ligações telefônicas, ter acesso sem autorização judicial a dados de empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, além de prever que policiais possam se infiltrar em atividade de investigação”.

                                A pergunta que não quer calar é: Porque a Lei de Segurança Nacional, de antemão, não tipificou o crime de terrorismo?

Pesquisando a legislação brasileira, o termo “terrorismo” só é encontrado (além dos arts. 4º, VIII e art. 5º, XLIII da CF/88), na Lei nº 7.170/83, lei essa promulgada durante o regime militar, vejamos o art. 20:

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

                                 Essa lei não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, obviamente pelo seu teor altamente repressivo, porém, de maneira veementemente ilegal, dois jovens, Humberto Caporalli, de 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, de 19 anos, foram presos em outubro, durante um protesto na Praça da República em São Paulo, sendo absurdamente enquadrados na lei da ditadura !

Por fim, o Estado cria várias formas de reprimir os movimentos sociais, criminalizando o principal instrumento que uma sociedade tem para participar ativamente na construção de um Estado democrático de Direito: o direito de manifestação.

As jornadas de junho nos ensinaram uma lição, o povo exige mudanças, e intensificar a repressão durante a Copa só fará a ânsia desses manifestantes aumentar.

Devemos nos mobilizar já, para que esse Projeto de Lei nº 728/2011 não seja aprovado, não podemos aceitar que uma lei, como a Lei nº 12.850/13 produza efeitos, uma norma totalmente inconstitucional, a hora é agora, pressionar as autoridades que tem competência para impetrar uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF, a fim de que tal lei seja repelida do ordenamento jurídico.

Se a aberração jurídica nº 728/2011 for aprovada, viveremos em breve como nossos antepassados, os anos de chumbo voltarão, e ainda pior, revestidos de democracia.


Fontes:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=103652
http://caco.jusbrasil.com.br/noticias/112346526/senadores-propoem-que-protestos-durante-a-copa-sejam-considerados-terrorismo-e-punidos-com-ate-30-anos
http://www.brasildefato.com.br/node/26305
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.plc122.com.br/projeto-de-lei/#axzz2rFxlBX2M


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