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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O legado de Beauvoir- O Segundo Sexo e os casos de violência doméstica




Manchetes do começo do ano de fatos que aconteceram no MS que me trazem calafrio:

"Agredida por cinco anos, mulher morre após marido lhe atacar pedras"

"Namorada tem rosto quebrado em 4 partes; filho de médico é suspeito"

"Mulher é morta com dois tiros na Piratininga e ex-marido é apontado como responsável"

"Homem amputa mão da ex-mulher por não aceitar fim de relacionamento em Sonora"

Foi em 1949 que Simone de Beauvoir surpreendeu o mundo com o seu "O Segundo Sexo".  A autora questiona o sistema de opressão em que a mulher está inserida, denunciando o seu reducionismo biológico como procriadora e dona-de-casa, opondo-se a essa distribuição pré-determinada dos papéis sociais, buscando mostrar que esse fardo feminino, essa “função biológica” camufla as verdadeiras raízes da opressão. Para ela essa relação de superioridade masculina surge através de um processo histórico, podendo assim ser combatido e revertido.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse conjunto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. (BEAUVOIR, 1949, p.10).


O Segundo Sexo é tão atual, tendo em vista que foi a partir dessa obra que se começou a ser discutido o papel da mulher, foi através das concepções de Beauvoir, uma mulher escrevendo para outras mulheres, que foi fincado uma nova percepção na estrutura patriarcal dominante : as mulheres deveriam deixar de ser objetos e tornar-se sujeitos de sua própria história.

Era o começo do despertar, década de 50, mulheres trabalhando fora de casa, a minoria da minoria, ao longo dos anos elas foram conseguindo travar essa luta, a década de 60 foi a reviravolta, o slogan "O Privado é Político" expõe essa nova estrutura.

O que agoniza é: Como em pleno século XXI as mulheres ainda são assassinadas, espancadas e  oprimidas pelos homens? E como o Estado permite tal barbárie?

Ana Lucia Sabadell tem a resposta:

Na esfera privada nunca existiram garantias jurídicas em relação à integridade física e psíquica da mulher e ao livre exercício de sua sexualidade. A mulher é tratada como ‘rainha do lar’ quando segue as pautas da sociedade patriarcal. Quando não obedece, entram em ação os mecanismos de ‘correção’: insultos, espancamento, estupro, homicídio. (SABADELL, 2008, p. 267)

Ah, mas vocês devem estar se perguntando : E a Lei Maria da Penha?

A  Lei 11.340/06 trouxe novos avanços, foi a primeira Lei brasileira que discorreu sobre a questão de gênero, aliás foi também precursora tratando da relação homoafetiva, dispõe sobre as medidas protetivas, prisão em flagrante do agressor e etc. Foi de grande importância porque antes a violência sofrida pela mulher era tratada como mera lesão corporal, as ações tramitavam no Juizado Especial Criminal (Lei 9.099/95), e pasmem, a pena era o pagamento de cestas básicas, entre outras.

O patriarcado vem se proliferando em suas diversas esferas- políticas, econômicas, culturais, religiosas, jurídicas e educacionais. Para a sua manutenção utiliza-se da violência de gênero para que este continue reinando. Então a problemática da violência contra a mulher só será transformada quando a própria mulher se livrar das amarras do patriarcado. Ela só se libertará quando tiver consciência de si.

Segundo SABADELL (2005, p.449) estudos indicam que há pelo menos três razões para que a vítima de violência doméstica queira continuar (se possível sob melhores condições) o relacionamento privado com o agressor:

“medo de não poder prover sozinha as necessidades dos filhos; depressão e passividade devida à experiência contínua de violência; temor de sofrer maiores danos e correr risco de morte se abandonar o companheiro violento”.

Ou seja, a vítima apesar de procurar ajuda jurisdicional, de querer representar contra o seu companheiro quando se sente ameaçada  (os outros delitos: lesão corporal e vias de fato não precisam mais de representação, vide ADI 4424 e ADC 19), ainda esta interligada com o agressor por vínculos emocionais, aspectos que só a mulher vítima pode sentir, a Lei não consegue retratar essa percepção. E não é mesmo uma Lei, o Poder Judiciário que vai mudar essa relação, presente no âmbito privado, o Direito Penal se vê perdido entre os seus remédios, não pode mais estabelecer penas alternativas nestes casos, devido à ineficácia dos Juizados Especiais Criminais e também não consegue solucionar os casos apenas com a pena privativa de liberdade.

Entretanto, aqui no Estado de Mato Grosso do Sul, uma das deficiências para a Lei Maria da Penha ser totalmente acessível as vítimas é a falta de Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres que funcionam 24 horas, conforme explica a Promotora de Justiça, Ana Lara Camargo de Castro:

"Em Campo Grande o atendimento é realizado pelas Delegacias de Pronto Atendimento Comunitário. O Ministério Público é favorável ao atendimento 24h na DEAM, porque defende a especialização dos profissionais nas temáticas de direitos humanos. Uma equipe especializada permite acolhida correta, melhor entendimento da lei e das peculiaridades características da violência de gênero". (http://www.midiamax.com.br/noticias/890817-para+promotora+machismo+cultura+patriarcal+impedem+mulher+se+separar+agressor.html)

Percebe-se que apesar da Lei ser um marco na luta feminista, deve ser ampliada a questão da violência de gênero, a solução para o fim do patriarcado só poderá ser sentida após uma introdução massiva da educação de gênero.

“Enquanto for mantida essa estrutura, o tratamento dos sintomas na forma fragmentária da intervenção jurídica não permite solucionar o problema” (SABADELL, 2005 p.451).
 
Bibliografia:
BEAUVOIR, Simone. O Segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 9ª edição, 1980.
SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SABADELL, Ana Lúcia. Perspectivas jussociológicas da violência doméstica. Efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p. 429-456, 2005.
SABADELL, Ana Lúcia. Violência Doméstica: críticas e limites da Lei Maria da Penha. Jornal O Estado do Paraná online, disponível em: http://www.parana-online.com.br/canal/direitoejustica/news/273015/?noticia=VIOLENCIA+DOMESTICA+CRITICAS+E+LIMITES+DA+LEI+MARIA+DA+PENHA,





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